Por Luana Lima
Passar por uma transição de gênero está longe de ser uma situação fácil, ainda que seja libertadora. Conviver com expectativas pessoais, atitudes discriminatórias de amigos e familiares e julgamentos de pessoas desconhecidas fazem parte da rotina de quem passa por esse processo.
Com o intuito de promover saúde para todos, nesta terça-feira, 16, o governo do Acre, por meio da Secretaria de Saúde (Sesacre), marcou um avanço significativo, ao iniciar os primeiros atendimentos no ambulatório de especialidades voltado às pessoas transexuais e travestis, além de executar uma portaria do Ministério da Saúde também é uma promessa do plano de ação da empregabilidade LGBTQIA+, que o governo do Acre firmou com o Ministério Público Federal (MPF).
História de uma transição
Natural de Sena Madureira, Ariel Silva, homem trans de 45 anos, passou por muito sofrimento em seu processo de transição. Desde a infância, ele se reconhecia como homem. Passou por muitos preconceitos e dificuldades, incluindo trabalhos que exigiam que tivesse aparência feminina. Sozinho fez uso de testosterona, hormônio masculino. Teve seu primeiro ciclo menstrual aos 19 anos, e, após isso, precisou fazer sua primeira cirurgia, com a descoberta de um cisto, quando começou a ser acompanhado pela Saúde do Estado.
“Parei de usar o medicamento que usava na época, cheguei a passar por três processos cirúrgicos, o que me causou muito sofrimento, pois não precisava daqueles órgãos femininos e queria fazer a histerectomia total, que precisei fazer gradualmente”, relata.
Ariel explicou que, até chegar a um profissional médico que o entendesse, foi uma grande jornada. Para viver em sociedade, entrar no mercado de trabalho e ter aceitação de sua família, mantinha cabelo longo e vestia-se como mulher, mas nunca se sentia uma.
“Eu vivia enjaulado dentro do meu próprio corpo, tive que aprender a me amar e viver da forma que eu era e isso me maltratava muito. Jamais pensei que antes de morrer eu iria fazer um tratamento correto, com acompanhamento médico. Sou muito grato ao nosso governador por essa possibilidade de termos um ambulatório especializado”, agradece.
Como é o processo
O processo transexualizador é um passo importante para a saúde mental e física de muitas pessoas. O atendimento de saúde para esse público, além de possibilitar a afirmação de gênero e terapias multidisciplinares, em alguns estados já possibilita a realização de cirurgias. A importância do ambulatório para essas pessoas reduz os perigos da automedicação, cirurgias em locais inadequados e tentativas ineficientes, que também podem causar danos irreversíveis.
Esse marco se dá exatamente 55 dias após a entrega do fluxo de atendimento, em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde de Rio Branco, na Unidade de Referência de Atendimento Primário (Urap) Ary Rodrigues.
O projeto teve início em 22 de novembro do ano passado, naquela Urap, onde, ao longo de 44 dias de atendimento, foram beneficiados 75 pacientes transexuais e travestis. Desse grupo, 69 eram homens trans e seis mulheres travestis. Durante esse período, foram realizados mais de 900 exames, além de consultas com enfermeiros e clínicos-gerais.
Dessa forma, a Policlínica do Tucumã, localizada em Rio Branco, torna-se a unidade de referência estadual para as pessoas transexuais, dispondo de um ambulatório de especialidades, conforme preconizado pela portaria do processo transexualizador. Contudo, é na Urap Ary Rodrigues que os primeiros atendimentos devem ser buscados.
Nakágima Sanllay, chefe do Núcleo de Populações Prioritárias e Vulneráveis da Sesacre, destaca o avanço nos serviços de saúde para a comunidade. “Estamos comprometidos em oferecer serviços em saúde de qualidade, respeitando as especificidades de cada pessoa. O início dos atendimentos no ambulatório de especialidades, além de um ato histórico na Região Norte, representa um avanço significativo no cuidado a essa população, reforçando o compromisso da gestão do doutor Pedro Pascoal com a equidade e inclusão para todas as pessoas”, destaca.
O médico ginecologista, obstetra e especializado em endocrinologia para afirmação de gênero, responsável por essa etapa, Radson Araújo, proporcionará atendimento ginecológico a seis homens trans, seguindo as diretrizes da Portaria do Ministério da Saúde n° 2.803, de 19 de novembro de 2013, que estabelece os procedimentos para o processo transexualizador no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
“É um passo muito importante do governo, por fornecer esse tipo de atendimento a um público que precisa de assistência especializada. São pacientes que precisam de adaptação hormonal e que buscavam outras formas não seguras de tratamento, o que acarretava em problemas que geravam prejuízos para o Estado e para suas próprias vidas”, frisa Radson.
Em fala emocionada durante o evento desta terça-feira, Alan Dantas, procurador do Estado e presidente da Comissão Especial de Equidade e Diversidade da Procuradoria-Geral do Estado (PGE/AC), que o ambulatório de especialidades precisa ser celebrado e divulgado, para que outras pessoas possam ser atendidas.
“Este ambulatório é um marco e fico muito feliz de ver as instituições evoluindo. Essa é uma conquista que precisamos fazer chegar no máximo possível de pessoas que precisam ser atendidas. O espaço oferecerá respeito, dignidade e saúde”, acentuou.
Com o novo fluxo de atendimento nas Uraps e na Policlínica do Tucumã, as pessoas gays, lésbicas, bissexuais e transexuais terão um atendimento mais inclusivo, alinhado com as necessidades específicas dessa população.