Por Tácita Muniz
O acidente vascular cerebral (AVC) e o infarto são duas das condições médicas graves e recorrentes que afetam milhares de pessoas no país. Os dois quadros ocorrem devido à interrupção do fluxo sanguíneo no cérebro – no caso do AVC – ou no coração, ocasionando o infarto. Ambos podem resultar em consequências devastadoras, incluindo incapacidade permanente, e até morte.
Diante desse cenário, a Secretaria de Saúde do Acre (Sesacre) mantém, em todo o estado, não apenas o trabalho de atendimento e suporte a esses pacientes, mas também um movimento de conscientização de mudanças de hábitos que podem evitar a doença.
Atualmente, qualquer unidade de saúde do Estado está apta a fazer o primeiro atendimento desses pacientes, sendo o Hospital de Urgência e Emergência de Rio Branco (Huerb) considerado referência no estado. Dados da Gerência Assistencial da unidade revelam que a média de atendimentos relacionados a AVC é de cem casos por mês. Já os atendimentos de infarto agudo do miocárdio (IAM) chegam a 50.
O Portal da Transparência do Centro de Registro Civil (CRC) do Brasil, com dados dos atestados de óbitos brasileiros, mostra que a mortalidade por AVC no estado acreano tem ficado acima de 400 por ano, atingindo o montante de 2.518 nos últimos seis anos.
Nesse período, 1.114 pessoas morreram em decorrência de infarto, menos de 200 por ano. Assim, o AVC continua, desde 2019, ultrapassando o número de mortes de causa cardiovascular no Brasil, seguido do infarto.
Os números servem de alerta para que a população esteja mais atenta a hábitos e estilos de vida que possam evitar ou minimizar o impacto dessas patologias.
Faça sua parte
Os modos de prevenção do AVC são: manter uma dieta saudável, praticar atividade física regularmente, evitar o fumo e não ultrapassar o limite do consumo de álcool. Há também fatores de risco, como hipertensão, diabetes e colesterol, que precisam ser monitorados com frequência. É preciso, ainda, estar atento ao estresse, depressão e gordura abdominal.
O neurocirurgião do Pronto-Socorro de Rio Branco, Juan Dorado, descreve o perfil das pessoas acometidas pelo AVC: “Geralmente são pessoas idosas, dislipidêmicas (com níveis elevados de gordura no sangue), que não fazem atividade física e que não seguem aqueles cuidados básicos que a gente pede, como dieta por estar acima do peso”.
A Associação Beneficente Síria – Hospital do Coração (Hcor), sediada em São Paulo (SP), destaca que o AVC é a segunda principal causa de morte entre pessoas acima dos 60 anos de idade, e a quinta causa principal dos 15 aos 59 anos. Também afeta crianças, incluindo recém-nascidas.
O especialista explica que casos que acometem pessoas mais jovens são investigados, por estarem, na maioria das vezes, ligados a outras questões. “Quando o jovem é acometido pela doença, muitas vezes há uma causa secundária para esses AVCs, então a gente faz um estudo mais profundo para saber o motivo daquele quadro”, esclarece.
Há basicamente dois tipos de acidente vascular cerebral: o isquêmico e o hemorrágico. O primeiro e mais comum é causado pela falta de sangue no cérebro devido à obstrução de uma artéria, e o segundo é uma consequência da falta de controle da pressão alta, o que causa um sangramento e, por isso, é conhecido popularmente como derrame.
“Para evitar ambos, é preciso ter uma vida regrada, evitar excessos e o tabagismo, porque o cigarro contribui muito para quadros como esse. Conjuntamente, é indicado fazer uma dieta e atividade física diária, porque isso é muito importante para evitar esse tipo de patologia. Tomando as medidas necessárias, é muito mais fácil impedir o avanço da doença. Claro, existem casos em que não há como, mas a grande maioria dos casos é evitável”, orienta Dorado.
Tabagismo, sedentarismo, alimentação inadequada, colesterol alto, estresse excessivo, diabetes, hipertensão arterial e histórico familiar de doenças cardíacas contribuem para os quadros de infarto.
O cardiologista Rodrigo de Azevedo, do Huerb, chama a atenção para um dado preocupante: a incidência dessa patologia em pessoas mais jovens. “O que tem piorado, na visão médica, é o estilo de vida que as pessoas têm levado, com má alimentação, aumento do uso de cigarro, seja eletrônico ou habitual, consumo excessivo de bebida alcóolica, gordura e fritura. E, paralelo a isso, o não tratamento das comorbidades de base”, enumera.
Hábitos simples podem preservar a saúde. Para reduzir a incidência de infarto, é necessário que a pessoa procure manter um acompanhamento de rotina, principalmente se tiver alguma das predisposições para o quadro, assim como hábitos saudáveis, desde atividades físicas até a alimentação.
“Aqui no Pronto-Socorro a gente tem a obrigação e o compromisso com os pacientes mais urgentes, então é muito importante que a população faça o acompanhamento ambulatorial da maneira correta, para diminuir a incidência de doenças coronarianas”, orienta.
No início deste mês, Jonas Cavalcante, de 66 anos, teve uma parada cardíaca enquanto mexia na tampa de um poço. A rapidez no atendimento foi fundamental para que, em cinco dias, o paciente estivesse animado e otimista com sua recuperação.
“Tenho hipertensão e mantinha o acompanhamento médico nos postos de saúde. Até aquele dia, estava tudo certo, então continuei na luta diária. De repente, estava em casa e me senti mal. Achei que no infarto a gente sentisse dor no peito, mas senti no tórax. Demorei a perceber e só ia piorando”, relembra.
Encaminhado ao Pronto-Socorro e pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), foi diretamente para a cirurgia. E relata o apoio dado durante sua internação, destacando que foi um diferencial. “Tive um atendimento VIP e agora é só agradecer. Foi muito rápido, não esperei nada, cheguei e já fiz o procedimento. A nota aqui é dez para toda a equipe, do zelador até o diretor”, diz bem-humorado e almejando a alta.
Capacitação e rede de atendimento
Qualquer atendimento de saúde necessita de capacitação para que se reflita na qualidade do serviço oferecido à população. Casos de média e alta complexidade demandam ainda mais esse cuidado, não só em atendimentos emergenciais, mas nos encaminhamentos para a rede de suporte ao paciente.
Em maio do ano passado, foi ministrado um curso aos profissionais do pré-atendimento e atendimento intra-hospitalar da Rede Pública Estadual.
O objetivo foi promover a especialização no atendimento ágil em casos de AVC, para que a recuperação dos pacientes seja mais rápida, tornando a instituição referenciada acreditada nessa linha de cuidado. As palestras foram ministradas pelo consultor científico da Iniciativa Angels e funcionário da indústria farmacêutica Boehringer Ingelheim, cuja sede brasileira está localizada em São Paulo (SP), Alessandro Rômulo.
“Se conseguirmos, com conhecimento, fazer as intervenções adequadas, que são a identificação, remoção rápida para um centro referenciado, que tem uma tomografia, e a equipe para atender, mudamos a realidade da doença, salvamos vidas”, enfatizou durante o curso.
O gerente de assistência do PS, Daniel Gustavo de Oliveira, explica que todos os procedimentos são seguidos rigorosamente para que as sequelas nesses pacientes sejam as menores possíveis.
“Os pacientes de AVC ou infarto têm duas portas de entrada na unidade. Uma delas é pelo Samu e a outra é pelo ambulatório. Eles vêm na consulta, o médico da triagem identifica se o paciente tem risco, está infartando ou tendo um AVC e imediatamente os direciona para a Sala Vermelha, onde são realizados exames para constatar ou descartar esse diagnóstico. Caso o paciente esteja infartando e precise de intervenção imediata, a gente tem um serviço 24 horas, que é o serviço do Hemocardio [Centro Hemodinâmico e Cardiológico]”, explica.
Nesse primeiro atendimento, o paciente faz todos os exames necessários. No caso de AVC, há também um neurocirurgião 24 horas na unidade, que inicia, caso seja necessário, cirurgia em casos de ser o hemorrágico, por exemplo.
O gerente explica que, mesmo sendo um estabelecimento de porta aberta, é importante que o paciente ingresse no PS referenciado por alguma unidade de saúde, seja posto de saúde ou unidades de pronto-atendimento.
“Constantemente trabalhamos com nossos leitos quase todos ocupados, e a gente precisa de uma retaguarda, que é essa triagem feita nas unidades de saúde para filtrar os casos realmente graves. Existem pacientes que, infelizmente, já vêm com um AVC instalado, então viram pacientes de longa permanência, porque vão ficar acamados e podem desenvolver doenças associadas”, esclarece.
No caso de infarto que necessita de cirurgia, de maneira geral o tempo de internação é de cinco dias, podendo ser mais, a depender do quadro. Para humanizar e ajudar nessa recuperação, ainda na unidade é disponibilizada uma equipe multidisciplinar que inicia os procedimentos fundamentais para a reabilitação do paciente.
“Nós temos serviço de fisioterapia, fonoaudiologia, psicologia e psiquiatria, porque a reabilitação passa por todos esses profissionais. Temos a clínica médica especializada e o serviço de UTI e, ao receber alta, o paciente passa a receber suporte por meio do programa Melhor em Casa”, informa.
Suporte em domicílio
Composta por médico, enfermeiro, fisioterapeuta, assistente social, nutricionista, fonoaudiólogo e técnico de enfermagem, a equipe do Serviço de Atendimento Domiciliar (SAD) leva cuidado aos pacientes que precisam de atenção frequente. Os atendimentos são direcionados pela própria unidade de saúde, que indica o tratamento.
Participam do programa pessoas que tiveram AVC recentemente, que passaram por cirurgia e precisam de cuidados pós-procedimento, que precisam de cuidados paliativos ou que necessitam de reabilitação intensiva. O Melhor em Casa funciona em Rio Branco desde 2012 e atualmente acompanha 45 pacientes em domicílio em Rio Branco. Atualmente, o programa conta com 2.187 equipes, atendendo cerca de 45% da população em mil municípios do país. No Acre, está presente em três municípios, com quatro equipes dedicadas ao cuidado domiciliar.
“O programa oferece cuidados domiciliares para pacientes que precisam de atenção contínua, geralmente pacientes crônicos que, por algum motivo, estão passando por um processo de agudização do estado de saúde. A maioria deles são traqueostomizados e/ou gastrostomizados; também temos sete pacientes que utilizam ventilação mecânica em domicílio. O objetivo do programa é evitar internações prolongadas e promover a recuperação e o conforto do paciente no âmbito familiar”, explica Janaína Linard, gerente de Assistência do Programa Melhor em Casa Estadual.
Para ter acesso ao programa, é necessário solicitar uma avaliação, geralmente encaminhada pelo próprio hospital, informando que o paciente encontra-se internado. A equipe de assistência social vai até a unidade hospitalar fazer uma visita e aplicar um questionário e, se o paciente obtiver a pontuação necessária para se encaixar no programa, é feita a admissão.
Maria José Mesquita, mãe de Felipe Emanuel, de 2 anos, recebe visitas regulares da equipe para o menino, que tem traqueostomia e gastrostomia. “O Melhor em Casa é maravilhoso. Me ajuda psicologicamente, com apoio das profissionais, e também quando o Felipe tem algum problema e precisa do médico, fisioterapeuta, fonoaudióloga, dos profissionais. É muito bom mesmo. E aí vêm os insumos, os equipamentos, a dieta, o cuidado que eles têm com a gente”, relata.
A coordenadora-geral de Atenção Domiciliar do Ministério da Saúde, Mariana Borges, afirma que o Melhor em Casa é o maior hospital público do Brasil. Os principais problemas de saúde atendidos são: Acidente Vascular Cerebral (AVC) e suas sequelas, infecções, descompensação de diabetes, insuficiência cardíaca, enfisema, fase terminal de câncer, demências e feridas.
“A atenção domiciliar é uma porta de saída qualificada que colabora para a desinstitucionalização e desospitalização da saúde. O hospital sempre irá existir, mas a internação será cada vez por menos tempo. A pessoa entra, faz o que precisa e volta para casa. Se estiver estável e não necessitar de cirurgias adicionais, pode ficar em casa. Estudos mostram que o paciente, com a mesma medicação, leva o mesmo tempo para ter alta, estando em casa ou no hospital. No entanto, em casa o custo é em média 70% menor. Fora do hospital se compreende a multiplicidade de fatores que a equipe de saúde pode atender, a dinâmica completa do indivíduo, que deixa de ser biológico para ser biográfico”, completou a coordenadora.
Fonte agencia.ac.gov.br