Por Tácita Muniz
Desde muito nova, gosto de escrever, acho que é a melhor maneira de me expressar e conseguir falar um pouco da perspectiva que tenho sobre a vida. Sempre foi minha válvula de escape e a forma que encontrei de, em datas especiais (ou não), escrever sobre os amigos e família. Consolidada essa tradição, era gerada expectativa sobre o próximo textão. Guardadas as polêmicas sobre a exposição nas redes sociais, nesse sentido, sou emocionada, nunca acho que é demais falar sobre o que ou quem amamos. É preciso disseminar as coisas boas de cada um, falar de como aquela pessoa que você conhece e com quem convive é sensacional. Pelo menos, este é meu ponto de vista. Introduzi essa informação para começar este texto onde vou falar do meu pai, porque foi em um desses textões de redes sociais, em uma data como esta, que fiz uma homenagem ao meu velho e escrevi que: enquanto ele estivesse na outra ponta da corda, como considero a vida, eu conseguiria me equilibrar.
Anos depois, em um desabafo meu durante um tratamento de saúde, ele me respondeu: “E o pai está sempre na outra ponta, pronto para ajudar na condução do barco”. Desde então, me pego pensando em como, independente de nossa idade, nossos pais são sempre nossa terra firme em dias de águas revoltas e tempestades internas. Mesmo que a gente já esteja naquela fase de virar pais de nossos pais, eles sempre nos sustentam. Em minhas memórias, guardo a imagem do meu pai fazendo todo o possível para nos dar o que não teve na vida, que não foi fácil. Teve comércio, padaria, trabalhava em supermercado, alugava bares em balneário e se desdobrava para que a gente tivesse, principalmente, acesso a educação de qualidade. Apesar de não ter tido a oportunidade de estudar, é um dos caras mais sábios que conheço, que ensina pelo exemplo e é o maior defensor da humildade e do diálogo. No seu comércio, ninguém ficava sem levar um alimento porque não tinha R$ 1 ou R$ 2, ou porque, muitas vezes, não tinha o valor completo daquele produto. Lembro de perguntar ao meu pai o motivo de dar tantos descontos e ele responder: a pior dor do mundo é a dor da fome. Nesses episódios, meu pai ia me ensinando o poder do altruísmo e como essa grande engrenagem funciona.
No Dia das Crianças, quando ele organizava um lanche na associação de moradores do bairro e me pedia para tirar os brinquedos para doação, ele me ensinava que a gente sempre podia ajudar. Foram inúmeros episódios que vi meu pai se doar e ensinar como ser humano, mas não cabe listar tudo aqui, afinal é preciso dar com a mão esquerda para que a direita não veja, diria ele, como maçom. Tudo isso para dizer que aprendi pelo exemplo, não apenas com palavras. Sabe, uma vez quando criança, durante uns dos temporais que dava em Cruzeiro do Sul (e quem é da região sabe do que tô falando), o tempo fechou e eu, pequena, estava com muito medo. Meu pai dormia no sofá depois do almoço, então corri, peguei um lençol, um travesseiro e montei uma cabana ao lado de onde ele estava; consigo acessar até hoje o sentimento de proteção que tive naquele dia. Afinal, era meu pai, estava segura ali e peguei no sono. Hoje, já adulta, em dias ruins, tento lembrar da voz do meu pai cantando Gonzaguinha ou Martinho da Vila na cadeira de balanço… Busco essas memórias e acesso o mesmo sentimento de proteção. Por falar em música, o gosto por esses dois artistas e tantos outros, como Fagner, Alceu Valença, Jessé, Zé Ramalho, também são herança dele. Amante de um churrasco, sempre tínhamos algo para comemorar. Fomos criados sem muitas ostentação de bens materiais, mas com a maior riqueza que se pode ter: amor.
Ainda hoje ele tem pena de acordar a gente cedo e expressa seu amor de várias formas, com a puxada no dedão do pé, um chá quente ou aquele bife com gostinho de pimenta do reino que só ele sabe fazer. O tempo foi passando, fui amadurecendo e vi que meu pai nunca foi um super-herói, mas sim um super-humano com o poder de acalmar e ser nosso porto seguro, seja lá qual fosse a situação. Em uma circunstância específica, tive o que acredito ser hoje uma crise de ansiedade, e ele, sem ter a mínima ideia do que seria, percebeu que eu não estava bem e que não era algo físico. Disse: tu deve tá ansiosa com alguma coisa. Fez um chá e ficou do lado da minha cama até eu pegar no sono. Eu já era adolescente e sempre fui muito preocupada e ansiosa, sem nem ao menos saber o que isso significava.
Do meu pai, gosto de ouvir as histórias, os ensinamentos e sua filosofia de vida. Foi ele quem me ensinou que, acima de religião, é preciso ter espiritualidade. Fazer o bem para colher o bem e evitar fazer o mal para não se deparar com ele. Um ensinamento básico, que pauta minhas decisões e minha conduta até hoje.
Outro dia, em uma das minhas idas em casa, percebi o que muitos nos falam: como o tempo é implacável com quem a gente ama. Não falamos muito sobre isso, mas a gente não se prepara para ver nossos pais envelhecendo e fiquei reflexiva quanto a isso. Por isso, sempre é tempo de falarmos o quanto são importantes e, mais do que isso, deixar claro que fizeram o seu melhor por nós e deu certo. Além de tudo, ele tem sabedoria, é dele a frase: “Em toda luta por um ideal se tropeça em adversários e se cria inimizades. O homem firme não os ouve e nem se detém a contá-los, segue a sua rota, irredutível em sua fé e imperturbável em suas ações. Porque quem marcha em direção a uma luz não pode ver o que ocorre nas sombras”.
E assim, comigo levo os ensinamentos de meu pai hoje e sempre, o maior deles esteve escrito por muito tempo na parede do comércio que tínhamos e acho que é o maior aprendizado que podemos levar. Inclusive, a frase é de autoria dele mesmo, então termino essa crônica fazendo referência à ela: “Os seres de alma iluminada e de caráter reto serão sempre o sustentáculo da humanidade”.
Pai, você é um desses seres. Espero te ter por muitos anos na outra ponta da corda, me ajudando a guiar esse barco.
Tácita Muniz é comunicóloga, repórter na Agência de Notícias do Acre; trabalhou 11 anos na editoria do Portal G1 no Acre, encabeçando projetos envolvendo todos os estados. Também foi responsável por alimentar uma página com reportagens especiais sobre a Amazônia. É fã de rock, filmes, livros e boxe, além de aprendiz de escritora nas horas vagas.
Fonte agencia.ac.gov.br