Por Daniela Tamwing*
Nos últimos anos, a questão do saneamento básico tem aparecido como uma das preocupações mais emergentes não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. Os últimos dados divulgados pelo Instituto Trata Brasil expõem a difícil realidade enfrentada pelo país, especialmente quando se trata da Amazônia, uma região rica em recursos naturais, mas que enfrenta sérios desafios no acesso à água potável e no tratamento de esgoto.
Os dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) indicam que apenas 84,2% da população brasileira tem acesso à água, e apenas 51,2% do esgoto referente à água consumida é tratado. Esses números, contrastados com as metas estabelecidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) por meio dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 6, que visa universalizar o acesso à água até 2030, e com as metas do Novo Marco Legal de Saneamento, que estipula alcançar 99% de cobertura de água e 90% de esgoto tratado até 2033, evidenciam a urgência da temática do saneamento no Brasil e a necessidade de torná-la uma pauta prioritária.
Essas metas, embora audaciosas, são fundamentais para a melhoria da qualidade de vida da população brasileira. No entanto, a cada dia que passa, tornam-se ainda mais desafiadoras de serem alcançadas. É imperativo que o saneamento básico se torne uma prioridade inegociável em nosso país.
É importante compreender que o saneamento básico vai muito além de uma questão social. Ele tem um impacto direto e profundo na saúde pública, no meio ambiente e na economia do país. A falta de acesso à água potável e o tratamento inadequado do esgoto contribuem para a propagação de doenças, comprometem os recursos naturais e prejudicam o desenvolvimento econômico. Portanto, investir em saneamento básico não é apenas uma questão de justiça social, mas também uma medida estratégica para o desenvolvimento sustentável e a redução das desigualdades no Brasil.
De acordo com o estudo do Instituto Trata Brasil, “Avanços do Novo Marco Legal do Saneamento Básico no Brasil – 2023 (SNIS 2021)”, para alcançar a universalização até 2033, como previsto pelo Marco Legal, o país precisa mais que dobrar seus investimentos anuais em saneamento, chegando a um montante de R$ 44,8 bilhões por ano, sendo necessário um montante total de R$ 538 bilhões a serem investidos para atingir a meta da universalização.
No entanto, é importante ressaltar que, na região Amazônica, essa necessidade básica, acesso ao saneamento, ainda está distante de se concretizar. Uma série de desafios específicos, que vão desde questões logísticas até peculiaridades regionais e hidrológicas, tornam essa empreitada ainda mais complexa.
As dimensões territoriais da Amazônia, por si só, representam um desafio considerável. A imensidão e a diversidade geográfica da região dificultam a implementação de infraestrutura de saneamento em áreas remotas e de difícil acesso. Além disso, as características hidrológicas da Amazônia, como a sazonalidade, marcada por períodos de cheias e secas, exigem soluções adaptadas e resilientes.
Os relatórios recentes sobre saneamento básico no Brasil demonstram que existe um cenário de desigualdade marcante entre as diferentes regiões do país no acesso à água e à rede de esgoto. Infelizmente, o setor de saneamento reflete como nossa sociedade ainda é desigual. Comumente, inclusive, se quisermos entender a desigualdade no Brasil, basta olhar para o saneamento.
No Ranking do Saneamento 2023, dos 20 melhores municípios em saneamento, oito estão localizados no estado de São Paulo e seis no Paraná. Por outro lado, a ausência de saneamento básico é mais comum em áreas rurais, cidades do interior ou periferias das grandes metrópoles, especialmente nos estados do Norte e Nordeste brasileiros.
Ao olharmos para o Brasil como um todo, infelizmente, os piores indicadores estão concentrados na região Amazônica. Embora essa região possua uma das maiores disponibilidades hídricas do país, apresenta os menores índices de infraestrutura de saneamento básico. Isso não apenas impacta a saúde pública, mas também compromete a qualidade dos recursos hídricos da região.
Para enfrentar esse desafio, é imprescindível que os olhares e incentivos considerem cuidadosamente essa desigualdade, a fim de que os investimentos e as oportunidades sejam diferenciados para as regiões Norte e Nordeste. Levando em conta as notórias dificuldades econômicas dessas regiões, é crucial reconhecer os grandes desafios para captação e execução de recursos, especialmente devido aos elevados custos para implementação de serviços de saneamento em áreas remotas e distantes das grandes cidades, onde a obtenção de matéria-prima, equipamentos especializados e infraestrutura técnica é mais complexa.
No Acre, adotamos uma abordagem que considera as especificidades de cada município. Por exemplo, reconhecemos que a realidade de Marechal Thaumaturgo, uma localidade isolada, por exemplo, é muito diferente da de Assis Brasil, que é mais acessível. É fundamental que essa abordagem contextualizada seja aplicada em todo o país, visando garantir o acesso universal ao saneamento básico e reduzir as disparidades sociais e regionais.
O governo do Estado do Acre, por meio do Saneacre, tem buscado investir na melhoria da infraestrutura de saneamento no estado. Projetos de expansão da rede de distribuição, modernização dos sistemas existentes e campanhas educativas são passos importantes dados para melhoria e ampliação do saneamento. No entanto, esses esforços enfrentam desafios significativos, incluindo a limitação de recursos financeiros e a complexidade logística da região.
É importante ressaltar que o enfrentamento desse desafio requer não apenas um compromisso firme do governo, mas também maior conscientização por parte da população sobre a importância do saneamento básico para a saúde pública e o meio ambiente, bem como a importância de sua contribuição para que os serviços sejam efetivamente implementados.
Em suma, a universalização do saneamento na Amazônia é um desafio complexo que exige uma abordagem integrada e investimentos significativos. Somente através de um esforço conjunto do governo, da sociedade civil e do setor privado, podemos superar os desafios e alcançar o objetivo de universalizar o saneamento na Amazônia.
*Daniela Silva Tamwing Aguilar é diretora de Planejamento e Projetos de Saneamento do Saneacre. É formada em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Acre (Ufac), especialista em Planejamento, Organização e Sustentabilidade em Gestão Pública e mestra pela Ufac e pelo Cita, com ênfase em Recursos Hídricos
Fonte agencia.ac.gov.br