Da cozinha para a sala de aula: duas mulheres, um destino e incontáveis sonhos
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Nesta terça-feira, 15, é comemorado o Dia do Professor em todo o território nacional. A data é uma sugestão da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
No chão da escola, o romantismo se choca com as mais diversas mazelas. Mas enquanto muitos lamentam, outros encontram os motivos certos para acreditar na profissão. É o caso dessas duas mulheres, duas professoras, que lecionam e são verdadeiros exemplos para os seus alunos na Escola Jovem de Ensino Integral Boa União.
O professo Salomão Becker sugeriu que o encontro se desse no dia de 15 de outubro, data em que, na sua cidade natal, Piracicaba (SP), professores e alunos traziam doces de casa para uma pequena confraternização. A sugestão foi aceita e a comemoração teve presença maciça, inclusive dos pais.
O discurso do professor Becker, além de ratificar a ideia de se manter na data um encontro anual, ficou famoso pelas frases “Professor é profissão. Educador é missão” e “Em Educação, não avançar já é retroceder”. Com a participação dos professores Alfredo Gomes, Antônio Pereira e Claudino Busko, a ideia estava lançada.
A celebração, que se mostrou um sucesso, espalhou-se pela cidade e pelo país nos anos seguintes, até ser oficializada nacionalmente como feriado escolar pelo Decreto Federal 52.682, de 14 de outubro de 1963.
O decreto definia a essência e razão do feriado: “Para comemorar condignamente o Dia do Professor, os estabelecimentos de ensino farão promover solenidades em que se enalteça a função do mestre na sociedade moderna, fazendo participar os alunos e as famílias”.
Fascinada em ser professora
Alaiane Silva nasceu no município de Sena Madureira. Seus pais se separaram quando ela tinha apenas cinco anos. Como a mãe veio morar em Rio Branco, ela ficou com o pai até os 13. A partir daí também veio para a capital a fim de fazer o ensino médio. “O ensino era melhor”, conta. Veio morar no (bairro) Mocinha Magalhães quando este não tinha praticamente nenhuma infraestrutura.
Ainda no ensino médio já pensava em ser professora. Com a conclusão dos estudos casou e foi para Manaus (AM). Chegou a fazer o vestibular, mas não passou. Quando voltou para Rio Branco, trabalhou como empregada doméstica e, depois, em uma firma como serviços gerais. Também trabalhou em um supermercado como operadora de caixa.
Ou seja, antes de passar no vestibular para Matemática na Universidade Federal do Acre (Ufac), fez de tudo um pouco para sobreviver. “Nesse momento tive que escolher entre trabalhar ou estudar, então saí do emprego para me dedicar somente aos alunos”, conta.
Foi no estágio supervisionado que Alaiane teve o que ela mesma chama de “primeiro choque de realidade. “Naquele momento, meus sonhos de infância foram desconstruídos porque a realidade se apresentou bem diferente daquilo que a gente pensava”, disse.
Em 2014, já com a graduação concluída, fez um concurso para professora substituta na Ufac. Passou dois anos lecionando (de 2015 a 2017). Em 2018, assumiu, pela primeira vez, uma sala de aula no ensino básico, mais precisamente na Escola Técnica Maria Moreira. “Cheguei a pensar em desistir da profissão, essa experiência para mim foi muito frustante”.
Mas, o ano de 2019 revelou boas surpresas para ela. Fez o concurso para professora provisória, realizado pelo governo do Estado e foi lotada na Escola Jovem Boa União, de Ensino Integral. “Voltei a me encantar com a sala de aula e me senti motivada pelos meus alunos”.
“Sempre quis ser professora. Me sinto fascinada, é uma profissão encantadora e aqui na (Escola) Boa União eu digo que é isso que eu quero para a minha vida, eu consigo ajudar a mudar a história dos meus alunos. Sei que a minha profissão é desafiadora, mas é um desafio que vale a pena enfrentar”.
Mesmo lamentando o fato do professor ser pouco valorizado e das políticas públicas como um todo não chegarem onde deveriam chegar, Alaiane faz uma segunda graduação (Pedagogia) em uma faculdade particular, o que mostra o amor que tem pelo magistério.
Nascida para ensinar
A história da professora Leilane Gomes não é muito diferente da de Alaiane. Nasceu em Rio Branco e desde os 9 anos passou a ser empregada doméstica. O pai abandonou a ela e a mãe quando tinha apenas um ano e nove meses. Estudava na parte da manhã e à tarde trabalhava na casa de uma tia.
Sempre foi muito determinada. Sempre ajudou a mãe nas despesas de casa e também ganhava algum dinheiro para se manter. No Centro de Educação de Jovens e Adultos (Ceja) participou de um programa que a ajudou muito, o “Jovens Protagonistas”. Nesse momento, também prestava serviços voluntários comunitários na antiga 6ª Delegacia de Policia (DP).
Foi nesse momento em que descobriu que a sua organização e disciplina poderiam ajudá-la financeiramente. Passou a organizar guarda-roupas de pessoas importantes da sociedade acreana e conheceu o seu marido, com quem é casada há mais de 15 anos.
Em 2009, já com 23 anos, resolver fazer o vestibular, tendo sido aprovada para o curso de Artes Cênicas. No início, ela nem pensava em ser professora. “Naquele momento meu foco era trabalhar com teatro”, conta. Foi apenas em seu segundo estágio, no Colégio de Aplicação, que ela descobriu que nasceu para o ensino, para ser professora.
Lembra que fez toda a sua graduação sendo doméstica e passou por muitas dificuldades. Não tinha dinheiro sequer para o transporte. Ia para as aulas de bicicleta e, como regra, chegava em casa quase à meia-noite. “Apesar disso tudo não fui reprovada em nenhuma disciplina”, lembra.
Em 2014, grávida, fez o concurso para professora efetiva da Secretaria de Educação (SEE), sendo aprovada e chamada em 2015. Foi lotada na escola que sempre sonhou em lecionar, a Escola Jovem Boa União.
Leilane é especial. Foi diagnosticada com depressão, síndrome do pânico e com síndrome do pensamento acelerado. Não desiste. Conta que o trabalho em sala e o carinho dos alunos a ajudam a superar. Tanto que ela está fazendo o curso de certificação para ser diretora da própria escola onde um dia sonhou em lecionar.
“Tenho uma satisfação enorme em ser professora, me sinto realizada. Não quero sair de sala, amo o contato com os meus alunos e o trabalho aqui na escola me ajuda muito a superar a depressão, pois os resultados do meu trabalho são promissores e eu, por isso, tenho muito a comemorar”, revela.
Ela tem razão. Uma das suas alunas foi aprovada no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e, hoje, cursa Medicina no Rio Grande do Sul. Outros alunos, recentemente, foram premiados em uma competição de Matemática. Reclama apenas do fato de muitos pais não darem a devida importância à profissão, deixando de acompanhar seus filhos na escola.