Por Wesley Moraes
Nem mesmo a insistente e densa neblina do inverno peruano consegue esconder de quem passa pela Rodovia Panamericana uma gigantesca estrutura que está sendo erguida às margens do Oceano Pacífico. O megaporto de Chancay, uma pequena cidade de pescadores artesanais localizada 75km ao norte de Lima, já é uma realidade e está cada vez mais próximo de entrar em operação, prometendo não só revolucionar a economia local, mas ampliar as relações comerciais da América do Sul com os países asiáticos, principalmente a China.
Construído com capital 100% privado, o investimento no terminal marítimo de alta capacidade está estimado em U$ 3,7 bilhões (R$ 20,6 bilhões). À frente do empreendimento estão as empresas Cosco Shipping e Volcan. A primeira, originária da China, detém 60% das ações, é proprietária de uma das maiores frotas de navios cargueiros do mundo e, nos últimos anos, tem financiado portos em vários países. Já a outra é uma tradicional mineradora do Peru, especializada na extração de zinco, chumbo e prata.
As obras se iniciaram em 2021 e, atualmente, estão 87% concluídas. Cerca de três mil operários peruanos e chineses correm contra o tempo para deixar tudo pronto até a inauguração, prevista para novembro. Com o prazo cada vez mais apertado, o ritmo de construção segue de maneira intensa. Em algumas áreas do terminal, os trabalhos são realizados 24 horas, durante os sete dias da semana.
O Acre na Rota do Pacífico: posição privilegiada para o desenvolvimento
Os debates sobre a necessidade da ligação do Acre com o Oceano Pacífico se iniciaram na distante década de 1970. O então governador do Estado, Wanderley Dantas, foi um dos principais defensores da construção de uma rodovia para ligar o Brasil ao Peru. Na época, uma das iniciativas foi o asfaltamento da BR-317 até o município de Capixaba. O projeto de integração entre os dois países saiu completamente do papel em 2011, com a inauguração em definitivo da Estrada do Pacífico.
Recentemente, duas importantes obras de infraestrutura aprimoraram a rota pelo lado brasileiro. Inaugurada em maio de 2021, a ponte sobre o Rio Madeira, em Abunã (RO), eliminou o último trecho rodoviário que dependia de balsas para ser feito. Último grande gargalo, o anel viário de Brasileia e Epitaciolândia deve ser finalizado até 2025. Tida como a parte mais complexa do empreendimento, a nova ponte sobre o Rio Acre, que foi construída pelo governo acreano, já está pronta. Resta apenas a pavimentação do novo traçado da pista. Todo o fluxo de veículos pesados, que trafega entre as duas cidades, será desviado para o futuro contorno da BR-317.
Grande entusiasta do desenvolvimento social e econômico do Acre, o governador Gladson Cameli é um dos principais defensores do corredor rodoviário do Pacífico. O governante vislumbra, com muito entusiasmo, as novas possibilidades que surgem a partir do megaporto de Chancay e aproveitou para reafirmar o compromisso de seguir trabalhando por um futuro com mais oportunidades para os acreanos.
“O governo do Estado tem todo o interesse no fortalecimento dessa rota e esse porto chega para agregar ainda mais ao nosso progresso. O Acre tem um grande potencial produtivo e a proximidade com o Pacífico é o nosso grande diferencial. Além de encurtar distâncias, reduz o valor do frete e é um importante meio para que os produtos brasileiros cheguem mais rapidamente até a Ásia e vice-versa. Vale frisar a relevância desse projeto para a geração de emprego e renda em nossa região”, afirma.
O Acre é o estado brasileiro mais próximo do Pacífico. Com essa posição geográfica privilegiada para o desenvolvimento, a região se destaca pelo enorme potencial econômico. No setor agrícola, a crescente produção de grãos, como soja e milho, além do reconhecimento internacional da qualidade das carnes bovina e suína, são excelentes oportunidades de negócios com os países andinos e asiáticos.
A economia no tempo de chegada e saída de mercadorias pela costa peruana do Pacífico é outro fator favorável ao Acre. Em comparação com os principais portos do Brasil, localizados nas regiões Sul e Sudeste, a redução pode ser de 20 a 30 dias. A vantagem também permanece em relação ao Canal do Panamá. A travessia pelo país da América Central está cada vez mais demorada, por conta do alto tráfego de navios na região, e sofre com a seca, cada vez mais intensa devido às mudanças climáticas.
De acordo com Mesquita, por estar localizado a 1.887km de Chancay, o Acre desponta, no lado brasileiro, como a principal porta de entrada e saída de produtos do megaporto.
“Um investimento dessa envergadura acaba influenciando positivamente não só o local onde está sendo instalado. No caso do Acre, o Porto de Chancay vai proporcionar a intensificação das atividades de comércio exterior, a exemplo do fluxo de cargas, tanto para a exportação quanto para importação, que necessariamente passarão no nosso estado”, avalia.
“Pela proximidade e encurtamento da distância, comparando as rotas marítimas que passam pelo Canal do Panamá ou contornam pela Argentina para chegar ao Porto de Santos, com certeza será muito mais viável vir pela estrada, passando pelo Acre, para chegar às regiões Sul e Sudeste do país, haja vista que são produtos de valor agregado e acaba ficando viável esse tipo de transporte”, completa o gestor.
Estrutura e logística
Para não impactar o tráfego de veículos na zona urbana de Chancay, um túnel de 1,8km está em fase de conclusão. A passagem subterrânea conectará o complexo portuário à Rodovia Panamericana, facilitando o acesso dos caminhões e a logística das cargas.
Outra etapa desafiadora da obra foi a remoção quase que completa de uma montanha de 50m de altura que existia na região do porto. Parte das rochas retiradas do local foi utilizada para a construção do quebra-mar, estrutura costeira que protege o terminal e as embarcações dos movimentos e agitações provocados pelas ondas.
O megaporto ocupa uma área total de 175 hectares e está dividido em três complexos: a área de ingresso de cargas, o túnel e a zona de operação portuária. Quando for inaugurado, o terminal, que possui profundidade média de 17 a 18m, terá capacidade de receber o segundo maior navio cargueiro do mundo e movimentar de um milhão a um milhão e meio de contêineres, o que fará do local o porto mais movimentado da América Latina.
A área administrativa do local já está praticamente finalizada. Em um moderno prédio de cinco andares, funcionarão os escritórios comerciais e de gerenciamento, posto aduaneiro e o centro de controle operacional da zona portuária.
A modernidade é uma das marcas do complexo marítimo. Entre elas, está a utilização de 40 veículos automatizados, que farão o transporte dos contêineres até o pátio de cargas. Outra tecnologia empregada no porto é a operação automatizada das gruas. “Este é um sistema de operação em que os equipamentos são programados por computador e funcionam de maneira autônoma, sem a necessidade de supervisão de um profissional. Somos o primeiro porto automatizado da América Latina”, explica Carlos Tejada, gerente-geral adjunto da Cosco Shipping no Peru.
Uma vez inaugurado, o Porto de Chancay funcionará 24 horas por dia. A estimativa é que sejam gerados cerca de sete mil empregos diretos e indiretos no empreendimento. Por conta de toda expectativa econômica provocada pela instalação do terminal, a pequena cidade peruana tem vivenciado uma hipervalorização imobiliária, desde a execução do projeto. O valor do metro quadrado dos terrenos saltou de uma média de 50 para até 1.500 dólares.
Os países latino-americanos localizados na costa do Pacífico não recebem os maiores navios do mundo com frequência. Atualmente, os cargueiros que partem da China em direção ao Peru levam cerca de 45 dias para chegar ao destino. As embarcações seguem, primeiro, para os Estados Unidos, depois México e, por último, ao país sul-americano. Com Chancay em operação, esse tempo será de, no máximo, 20 dias. A economia no custo com o frete, a partir dessa redução, girará entre 10 e 15%.
“O Porto de Chancay é o principal investimento que vai potencializar a nossa rota. O terminal vai mudar a dinâmica logística do comércio internacional e das rotas marítimas, trazendo melhor conexão da Ásia com a América do Sul”, analisa Assurbanipal Mesquita, secretário de Indústria, Ciência e Tecnologia do Acre.
Uma nova Rota da Seda
O megaporto faz parte de uma ousada investida da China para expandir sua influência comercial e conectividade com o mundo. Chamados de Rota e Cinturão, os dois projetos têm como principal objetivo melhorar a infraestrutura de portos, ferrovias, estradas e usinas de energia ao redor do planeta. A iniciativa do governo chinês quer alcançar, por meio de vias marítimas e terrestres, países da África, América do Sul, Ásia e Europa.
Para Chancay, os chineses vislumbram o porto como a principal porta de entrada de mercadorias produzidas no país, atual segunda maior potência mundial. A partir do terminal marítimo, os produtos serão distribuídos para toda a América Latina. O complexo foi criado para receber cargas em geral, grãos, contêineres e veículos.
“A visão das duas empresas que estão à frente deste projeto é criar na zona central do Peru um grande conjunto logístico, industrial e tecnológico, como os chineses já estão fazendo em outras partes do mundo”, relata Tejada.
As intenções chinesas do presente fazem lembrar uma das mais famosas redes de vias comerciais do passado: a Rota da Seda. Criada pela própria China, a extensa malha de estradas conectou, por mais de 1.500 anos, o sul asiático com o Oriente Médio e o continente europeu. Diferente do que ocorre nos dias atuais, os produtos eram transportados em lombo de animais, em grandes caravanas de mercadores.
Rota Quadrante Rondon
Em maio de 2023, um importante passo foi dado pelo governo federal para a retomada da integração do Brasil com os demais países da América do Sul. O projeto foi apresentado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva a outros 11 líderes nacionais, durante o Consenso de Brasília. A iniciativa visa estreitar as relações comerciais no próprio continente, além de reduzir o tempo e o custo de transporte com a Ásia.
O Ministério do Orçamento e Planejamento elaborou cinco rotas, que envolvem 12 estados e 12 países. São elas: Rota da Ilha das Guianas, que inclui integralmente os estados de Amapá e Roraima e partes do território do Amazonas e do Pará, articulada com a Guiana, a Guiana Francesa, o Suriname e a Venezuela; Rota Multimodal Manta-Manaus, contemplando inteiramente o estado do Amazonas e partes dos territórios de Roraima, Pará e Amapá, interligada principalmente por via fluvial à Colômbia, Peru e Equador; Rota Quadrante Rondon, formado pelos estados do Acre e Rondônia e por toda a porção oeste de Mato Grosso, conectada com Bolívia e Peru; Rota de Capricórnio, desde os estados de Mato Grosso do Sul, Paraná e Santa Catarina, ligada, por múltiplas vias, ao Paraguai, à Argentina e ao Chile; Rota Porto Alegre-Coquimbo, abrangendo o Rio Grande do Sul, integrada à Argentina, Uruguai e Chile.
O investimento previsto para a execução das rotas está calculado em U$ 10 bilhões (R$ 56 bilhões). As obras devem ser financiadas por bancos internacionais e, no Brasil, pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A expectativa do governo federal é inaugurar a primeira delas no próximo ano e as outras duas, em 2026.
Diante das possibilidades que estão surgindo, o Acre tem se posicionado com destaque nos debates em torno da implantação da Rota Quadrante Rondon. Nos últimos meses, o governo do Estado realizou seminários, fez visitas técnicas ao Porto de Chancay e, recentemente, promoveu o Encontro Trinacional da Integração, que contou com a participação de autoridades do Brasil, Peru e Bolívia.
“Entendemos a agenda que o Acre já tem no fortalecimento desse corredor se potencializa com esse trabalho do governo federal. Um dos avanços que teremos nesse sentido é a sinalização no aumento no número de fiscais agropecuários federais na alfândega, em Assis Brasil. Esse é um entrave que acaba prejudicando a celeridade da entrada e saída de produtos na fronteira. Além disso, temos trabalhado para que o empresariado acreano desperte o interesse para focar na exportação e importação de produtos pelo Pacífico”, argumenta Assurbanipal.